Emilia Ferreiro, psicológa e pesquisadora argentina, radicada no México, fez seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget.
"Emilia Ferreiro aprofunda um aspecto importante no processo de construção da leitura e escrita: problema cognitivo envolvido no estabelecimento da relação entre o todo e as partes que o constituem. Emilia nos mostra que a criança elabora uma série de hipóteses trabalhadas através da construção de princípios organizadores, resultados não só de vivências externas mas também por um processo interno. Mostra também como a criança assimila seletivamente as informações disponíveis e como interpreta textos escritos antes de compreender a relação entre as letras e os sons da linguagem." (Emilia Ferreiro - Alfabetização em Processo - Cortez. Editora)
A alfabetização inicial é considerada em função da relação entre o método utilizado e o estado de "maturidade" ou de "prontidão" da criança. Os dois pólos do processo de aprendizagem ( quem ensina e quem aprende ) têm sido caracterizados sem que se leve em conta o terceiro elemento da relação: a natureza do objeto de conhecimento envolvendo esta aprendizagem.
A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição gráfica das unidades sonoras. A invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codificação.
Existem dois sistemas envolvidos no início da escolarização ( o sistema de representação de números e o sistema de representação de linguagem ), as dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades conceituais semelhantes às da construção do sistema e por isso pode-se dizer, em ambos os casos, que a criança reinventa esses sistemas. Não é reinventar as letras e, ou os números, mas compreender seu processo de construção e suas regras de produção.
A distinção que estabelecem entre Sistema de Codificação e Sistema de Representação não é apenas terminológica. Suas consequências para a ação alfabetizadora marcam uma nítida linha divisória.
Quando uma criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras, está oferecendo um valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para ser avaliado. Aprender a lê-las , interpretá-las é um longo aprendizado que requer uma atitude teórica definida.
Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendente regular, através de diversos meios culturais. Aí podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões:
· distinção entre o modo de representação- icônico e o não icônico.
· a construção de formas de diferenciação ( controle progressivo das variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo )
· a fonetização de escrita ( que se inicia com um período silábico e culmina no período alfabético).
"A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural, a escrita cumpre diversos funções de existência ( especialmente em concentrações urbanas)".
Resultado de situações experimentais demonstram que as crianças elaboram:
· ideias próprias a respeito dos sinais escritos,
· ideias estas que não podem ser atribuídas à influência do meio ambiente.
Crianças aos 4 anos: Informações específicas revelam que a orientação convencional ( da esquerda para a direita e de cima para baixo ) raramente está presente, quando aparece , combina com outras, com tendência para alternância. Esta alternância consiste em dar continuidade ao ato de assimilar; continuar do ponto onde parou , originando assim uma combinação de direção alternativa em cada linha ou coluna.
A criança que cresce em um meio "letrado" está exposta à influência de uma série de interações. As crianças não precisam atingir uma certa idade e nem precisam de professores para começar a aprender. A partir do nascimento já são construtoras de conhecimento. Levantam problemas difíceis e abstratos e tratam por si próprias de descobrir respostas para elas. Estão construindo objetos complexos de conhecimento. E o sistema de escrita é um deles.
O propósito de manter o processo de aprendizagem sob controle, traz implícita a suposição de que os procedimentos de ensino determinam os passos na progressão da aprendizagem.
" Emilia Ferreiro descobriu e descreveu a "psicogênese da língua escrita" e abriu espaço para um novo tipo de pesquisa em pedagogia. Ela desloca a investigação do "como se ensina" para "o que se aprende". O processo de alfabetização nada tem de mecânico do ponto de vista da criança que aprende. A criança constrói seu sistema interativo, pensa, raciocina e inventa buscando compreender esse objeto social complexo que é a escrita. Essa mudança conceitual sobre a alfabetização acaba levando a mudanças profundas na própria estrutura escolar". (Cortez-Editora).
( Fragmentos de textos extraidos da obra: Emilia Ferreiro - Reflexões sobre Alfabetização)
22ª edição - Cortez Editora
22ª edição - Cortez Editora
Algumas de suas constatações:
"Nenhuma criança chega à escola ignorando totalmente a língua escrita. Elas não aprendem porque vêem e escutam ou por ter lápis e papel à disposição, e sim porque trabalham cognitivamente com o que o meio lhes oferece."
"Para aprender a ler e a escrever é preciso apropriar-se desse conhecimento, através da reconstrução do modo como ele é produzido. Isto é, é preciso reinventar a escrita. Os caminhos dessa reconstrução são os mesmos para todas as crianças, de qualquer classe social."
"Um dos maiores danos que se pode fazer a uma criança é levá-la a perder a confiança em sua própria capacidade de pensar." (Nova Escola nº 28)
Biografia
Emilia Ferreiro nasceu na Argentina em 1936. Doutorou-se na Universidade de Genebra, sob orientação do biólogo Jean Piaget, cujo trabalho de epistemologia genética (uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança) ela continuou, estudando um campo que o mestre não havia explorado: a escrita. A partir de 1974, Emilia desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série de experimentos com crianças que deu origem às conclusões apresentadas em Psicogênese da Língua Escrita, assinado em parceria com a pedagoga espanhola Ana Teberosky e publicado em 1979. Emilia é hoje professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, da Cidade do México, onde mora. Além da atividade de professora - que exerce também viajando pelo mundo, incluindo frequentes visitas ao Brasil -, a psicolinguista está à frente do site www.chicosyescritores.org, em que estudantes escrevem em parceria com autores consagrados e publicam os próprios textos.