Alguns estudos já foram
publicados falando sobre o tema “dislexia”. O que é, quais são as
características, se existe um tratamento específico, qual profissional seria o
mais indicado para dar esse diagnóstico, como identificar sinais da dislexia e
assim por diante. No entanto, ainda ocorre nas escolas um grande
desconhecimento sobre o tema. Muitas dúvidas rondam os professores a respeito
desse assunto e muitos alunos são duramente penalizados por serem portadores do
transtorno.
Em
uma instituição escolar, uma das competências mais importantes para se atingir
o sucesso são as habilidades da leitura e escrita. É a partir da leitura que o
aluno pode chegar a conclusões sobre os mais variados tipos de assuntos e os
aspectos que os compõem, pois ler é essencial para a aprendizagem das outras
áreas de conhecimento. A habilidade da leitura envolve a compreensão, interpretação
e decodificação dos assuntos.
Uma
criança que apresente falhas nessas áreas acaba sinalizando para os pais e
principalmente para o professor que algo não está bem. E agora? Como será o
futuro dessa criança? Estará ela fadada ao fracasso? Profissionais serão
procurados e por fim o diagnóstico pode aparecer: dislexia.
O
papel dos pais para que seu filho consiga obter sucesso no seu percurso escolar
é muito importante. Somente com o envolvimento dos pais é que as dificuldades
serão mais facilmente transpostas, afinal, os mais interessados para que isso
aconteça são eles. Ninguém conhece melhor o seu filho do que os pais. O sucesso
na vida escolar de uma criança dependerá do envolvimento entre os pais,
professores e escola.
Dislexia
é um dos termos mais utilizados dentro das dificuldades de aprendizagem, e
tentar entender as causas que levam uma criança a não conseguir ler e escrever
é de suma importância. Dessa forma, encontrar estratégias adequadas e buscar as
causas são elementos primordiais para que a criança avance. Entretanto, nem
todas as crianças que apresentam dificuldades de leitura e escrita são iguais e
nem todas podem receber um diagnóstico de dislexia.
Antes
de continuarmos essa nossa reflexão, vamos conhecer algumas definições dadas
por autores que muito tem estudado sobre a dislexia.
Segundo
Zorzi (1998) “Dislexia é um distúrbio
específico da linguagem de origem genética e com influência de fatores
hereditários que ocasionam falhas no processo fonológico e consequentemente
deficiência de caráter linguístico”.
A
dislexia, de acordo com Dubois (1993)
“é um defeito de aprendizagem da leitura caracterizado por dificuldades na
leitura caracterizado por dificuldades na correspondência entre símbolos
gráficos, às vezes mal reconhecidos e fonemas, muitas vezes mal identificados”.
Em
um de seus livros, Ajuriaguerra cita Debray (1980) dizendo que “a dislexia é
uma dificuldade duradoura na aprendizagem da leitura e a aquisição de seu
automatismo, em crianças normalmente inteligentes, normalmente escolarizadas e
isentas de distúrbios sensoriais”.
Definições
não faltam para explicar o que é dislexia. Porém, o que mais assusta é a forma
como a escola lida com as pessoas portadoras da dislexia. Muitos professores
desconhecem do que se trata, rotulando as crianças com os mais absurdos
adjetivos,destruindo a autoestima do aluno e ocasionando um pavor crescente
pela escola.
A
dislexia não pode mais ser vista como um fator impeditivo de avanço escolar, uma
vez que dispomos de tanta informação e exemplos de pessoas que se deram muito
bem na vida, apesar dos rótulos recebidos.
Como
psicopedagoga, já atendi casos de crianças, jovens e adultos com dislexia.
Atualmente, como professora também. O que mais assusta não é a dislexia em si,
mas os diagnósticos emitidos por alguns profissionais de maneira equivocada.Quando
existe a suspeita desse transtorno, vários profissionais devem ser consultados.
Um diagnóstico sério deve ser feito por uma equipe multidisciplinar composta de
neuropediatra, psicopedagogo e fonoaudiólogo.
As
definições colocadas no início desse artigo falam de dificuldades na área da
leitura e da escrita, isentas de atraso cognitivo e sensorial. Portanto, um disléxico
tem “inteligência normal”. Como definir inteligência é algo polêmico, vamos
observar a origem da palavra. O termo vem do latim intellegentia, que significa a “capacidade de entender, selecionar,
escolher, discernir” sobre determinadas questões. Alguém inteligente consegue
resolver problemas e encontrar saídas para determinadas situações de seu
cotidiano. Hoje em dia existe inclusive a “teoria das inteligências múltiplas”,
criada no ano de 1980 por um psicólogo norte-americano chamado Howard Gardner,
que através de estudos concluiu que nosso cérebro contempla oito tipos de
inteligência, mas nem todas são desenvolvidas. Isso explicaria muitas coisas,
inclusive o fato de um disléxico ter dificuldades de leitura e escrita, mas ter
um potencial grande para desenvolver projetos através da sua criatividade.
O
disléxico utiliza esse recurso muito bem. Eles têm uma capacidade criativa
grande e utilizam alguns “mecanismos de sobrevivência”que são obrigados a
desenvolver para sobreviver em um mundo onde as pessoas os tacham de incapazes
e “preguiçosos”. Existem estudos que afirmam que o lado direito do cérebro
(responsável pela criatividade) de um disléxico é mais desenvolvido que o lado
esquerdo.
Como
não se sentem à vontade no meio de palavras, frases e textos sua mente se volta
para o que as pessoas estão falando. A
maioria dos disléxicos consegue se sair bem em avaliações orais, relatando com
precisão quase minuciosa uma aula dada pelo professor, desde que não haja
nenhuma comorbidade (outro transtorno associado) presente. Porém, se colocados
para escrever, as ideias não fluem com a mesma tranquilidade. Sentem
dificuldades em interpretar uma pergunta, organizar as palavras e frases. Com
isso, não respondem as questões de maneira conclusiva, pois gastam seu tempo
tentando escrever o mais corretamente possível. Pensar em como as palavras são
escritas, se as frases farão sentido, se a ortografia está correta, a letra
está legível e se o professor vai conseguir compreender o que ele quer dizer e
a nota que vai receber são pensamentos aterrorizantes para um disléxico.
Dislexia é uma das causas de evasão escolar. Muitas
pessoas abandonam os bancos escolares, cansados de se sentirem inaptos para
aprender. Algumas não entendem o que se passa, sabem que sabem, mas na hora de
escrever tudo desmorona, o nervosismo toma conta e o desespero acaba cegando
todo aquele saber, que se transforma em um monte de palavras desconexas e de
difícil leitura. Muitos alunos passam mal, choram e são encaminhados para
psicólogos, uma vez que sua instabilidade emocional se torna frequente. Os
professores, não sabendo como lidar com a situação, tendem a emitir opiniões
nada animadoras, dizendo para o aluno que ele precisa se dedicar mais, ler e
estudar em casa, caso contrário seu rendimento ficará ainda mais prejudicado à
medida que o ano vai avançando. Apesar de o tema ser bastante explorado, sua
causa permanece carente de informações mais precisas e poucos profissionais buscam
se aprofundar no assunto, ocasionando essa angústia nos alunos que não
conseguem acompanhar o ritmo estabelecido e atingir o sucesso que almejam.
Existem por parte dos estudiosos algumas características
que apontam para o transtorno. São elas: atraso no desenvolvimento da
linguagem, coordenação motora dificultada, fraco domínio das noções de
tempo/espaço e lateralidade, falta de interesse em livros impressos e uma fuga
total de tudo que remeta a letras e palavras. Alguns sinais podem ser
observados desde a mais tenra idade: atraso para engatinhar, andar e falar,
dificuldades de compreensão (parece estar ouvindo mal), distúrbios do sono,
muito ou pouco agitadas, dificuldades para se adaptar a escola. Isso não quer
dizer que uma criança que apresente essas características seja disléxica, como
já foi citado acima. Uma equipe deverá ser consultada.
Vocês podem imaginar o que é para uma criança entrar na
escola,num ambiente onde tudo gira em torno da leitura e da escrita e perceber
que não consegue acompanhar o ritmo de seus colegas? Esse sofrimento muitas
vezes incapacita e faz com que a criança sinta-se um “peixe fora d’água”. Por
isso a importância de um professor devidamente preparado, que saiba como
conduzir suas aulas e administrar as dificuldades de seus alunos.
Uma boa abordagem que pode ser utilizada com um aluno
disléxico é a multissensorial, que utiliza os cinco sentidos para aprender. Na
sala, o aluno deve sentar-se próximo ao professor. Dessa forma, sentirá mais
tranquilidade caso precise de auxílio. A repetição dos comandos também auxilia
o aluno na compreensão daquilo que está sendo falado e solicitado. Falar devagar,
sempre olhando para a criança é um recurso que contribui bastante. Outra
ferramenta que deve ser estimulada é o uso do computador para digitação,
incentivando o uso do corretor ortográfico. Isso nem sempre é possível de ser
feito, existem escolas que não possuem esse recurso tão facilmente, apesar de
muitas pessoas acharem que todos têm acesso ao computador. Infelizmente existem
muitas famílias sem acesso a essa ferramenta, fazendo uso somente na escola e
de maneira precária.
O elogio dado de forma espontânea ajuda muito a fazer com
que o disléxico acredite em si mesmo. Como eles possuem uma oralidade bastante
preservada, utilizar recursos como áudio e vídeo para exposição de trabalhos em
sala é muito importante.
Existem evidências de que a dislexia seja genética. Estudos
indicam que uma criança disléxica tenha algum parente próximo com a mesma
dificuldade. De acordo com Selikowitz
(2001) “em todos os tipos de dificuldade de aprendizagem, a incidência em
meninos supera numericamente a incidência em meninas, numa proporção de três
para um”.
A dislexia muitas vezes não vem sozinha. Existem outros
termos relacionados a ela como: disgrafia e a discalculia. Vamos conhecê-los
melhor? A disgrafia é uma dificuldade para escrever, existe uma mistura de
letras maiúsculas e minúsculas, lentidão para fazer os registros, pouca ou
muita pressão no momento da escrita, troca de letras e sílabas, dificuldades de
usar as linhas e o limite no caderno, perturbação de lateralidade e do esquema
corporal, utilizar régua para fazer traçados e muito mais.
A discalculia provoca uma dificuldade na aprendizagem de
tudo que se relaciona a números. Elaborar conceitos matemáticos, fazer
classificação, seriação e sequência numérica serão extremamente complicadas para
a criança. Uma criança com discalculia terá dificuldades em posicionar números,
somar, subtrair, multiplicar e dividir, memorizar cálculos, fórmulas e as
tabuadas.
A vida escolar de um disléxico não deve ser fácil. Os
dias são longos e pesados. Um verdadeiro filme de terror, principalmente porque
passamos um tempo considerável de nossas vidas nos bancos escolares. Lidar com
o aspecto emocional é mais um desafio a ser vencido. A autoestima é um aspecto
fundamental para que uma criança disléxica consiga sucesso na sua vida. Isso
não é uma tarefa fácil, pois as dificuldades são evidentes e normalmente numa
escola as crianças não poupam adjetivos para “apelidar” o colega. Muitas delas
são humilhadas e tendem a se fechar, falando pouco e evitando um contato mais
próximo com os colegas.
Para
uma pessoa sem nenhuma dificuldade aparente, o apoio já é fundamental, imagine
para um disléxico. Paciência, dedicação, incentivo, respeito, carinho, são elementos-chave
para que o indivíduo possa superar seus desafios e seguir em frente.
O papel de um professor na vida de uma criança portadora
de dislexia é essencial. Uma grande responsabilidade, diante de tantas outras
já atribuídas e esse profissional. Os conteúdos muitas vezes deverão ser
adaptados, muita compreensão e diálogo constante com a família e outros
profissionais que lidam com a criança. Tudo isso, porém, é na maioria das vezes
muito difícil devido ao número de alunos em sala, pouca ou nenhuma assistência
por parte das famílias (que deveriam ser as mais engajadas nesse processo) e
desconhecimento sobre o tema.
Depois de tantas dificuldades, será que um
disléxico consegue chegar ao Ensino Superior? A resposta é sim, afinal, de
desafios o disléxico entende. O sonho de chegar a uma universidade ainda é para
um disléxico um desafio real, mas perfeitamente possível. O primeiro passo é
buscar uma área que desperte sua curiosidade e vontade de seguir em frente,
mesmo sendo conhecedor de todos os desafios que deverão ser (mais uma vez) superados.
O diploma de conclusão será a prova de que tudo é possível e que não existe
incapacidade para quem quer atingir seus objetivos.
Algumas
medidas devem ser tomadas. Uma delas é comunicar a coordenação do curso
escolhido a respeito da dislexia, para alertar os professores a respeito de
como lidar com o aluno(assim como deveria ter sido lá no início de sua
escolarização), pois muito sofrimento teria sido evitado. Um adulto disléxico
que consegue chegar à universidade é motivo de orgulho para ele mesmo.
Einstein era disléxico. Considerado pelos seus
professores um aluno fraco e pouco interessado, é o inventor da Teoria da Relatividade,
provando que a dislexia não é um fator impeditivo ou de fracasso.
Alguns exemplos
de pessoas disléxicas podem ser citados: Walt Disney (desenhista e criador do
Mickey Mouse), Agatha Christie (escritora), Alexander Graham Bell (inventor),
John Lennon (cantor e compositor), John F. Kennedy (ex- presidente dos Estados
Unidos da América), Charles Darwin (autor da Teoria da Evolução) e
muitos outros.
Resumindo,
podemos concluir que os disléxicos podem sim alcançar seus objetivos. Apesar de
suas dificuldades na área da leitura e escrita, conseguem acionar mecanismos de
sobrevivência como a criatividade, alegria e muita força de vontade, para
vencer os obstáculos e provar que apesar da dislexia, muitas outras
possibilidades acabam surgindo. Basta que estejamos de olhos bem abertos para
encontrá-las. Afinal, a dislexia será uma companheira
fiel ao longo de toda a vida de um portador de dislexia.
Bibliografia
AJURIAGUERRA,
J de; et al. A Dislexia em questão: dificuldades e fracassos naaprendizagem da
língua escrita: Porto Alegre: Artes Médicas, 1980
DUBOIS,
Jean et alii. (1993)Dicionário de
lingüística. SP: Cultrix
SELIKOWIT M. Dislexia e outras dificuldades de
aprendizagem. Rio de Janeiro: Revinter;2001.
ZORZI, J. L. Dislexia,
distúrbios da Leitura-escrita... De que estamos falando? Rev.
Psicopedagogia, São Paulo, v.17, n.46, 1998
Escrito por: Leila Bambino ( Professora e Psicopedagoga - Clínica)
leilabam@terra.com.br