Até uma década atrás, um verdadeiro contingente de adolescentes e adultos "aparentemente normais" colecionava uma bagagem de fracassos e outras dificuldades sociais sem nenhuma explicação concreta. Demonstravam a mínima capacidade para tomar decisões de forma produtiva e passavam pela vida sem um diagnóstico específico.
Muitas vezes, a dificuldade de concentração, a desorganização nas tarefas cotidianas e a perda de prazos eram atribuídas a quadros de depressão ou ansiedade, quando não puro desinteresse. Hoje, com o avanço da medicina, descobriu-se um exército invisível.
Cerca de quatro milhões de adultos no Brasil são vítimas do TDAH, mais conhecido como Transtorno do Déficit de Atenção por Hiperatividade. Esse distúrbio, que associa a desatenção e a impulsividade com a hiperatividade, é capaz de afetar a qualidade de vida, trazer problemas de relacionamento na vida pessoal e profissional tanto em adultos quanto em crianças.
FATORES GENÉTICOS E AMBIENTAIS
Apesar de parecer um distúrbio comportamental, o TDAH é uma doença e está relacionada a fatores genéticos. O transtorno é causado por uma disfunção no córtex pré-frontal do cérebro, região próxima à testa. Essa área é responsável pelo controle da atenção, do planejamento, das tomadas de decisões, da memória, do controle motor e dos impulsos. "Com a disfunção, essa área funciona menos do que deveria, fazendo com que os sintomas do transtorno apareçam", esclarece Cacilda Amorim, psicóloga e diretora do Instituto Paulista do Déficit de Atenção. Associado ao fator genético, existe o fator ambiental, que pode acentuar os efeitos da doença.
O portador de TDAH nasce vulnerável a desenvolver os sintomas e, de acordo com o ambiente em que cresce e o desenvolvimento de sua vida, pode desencadear a doença. Os fatores externos que contribuem para acelerar o processo são: ambientes desestruturados, falta de limites e regras, excesso de informação e pressões excessivas.
CRIANÇAS: PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM
Os sintomas do TDAH se manifestam a partir dos 6 anos e a doença prevalece na idade escolar. Não é à toa, portanto, que o distúrbio já atinge em média 3% a 8% das crianças entre 7 e 12 anos. Na infância, o TDAH pode acarretar problemas de aprendizagem, baixo rendimento escolar, comprometimento das relações sociais, transtorno de conduta, agressividade, distração, impulsividade e falta de concentração. Geralmente, elas relutam para iniciar tarefas ou exercícios, distraem-se com facilidade, têm seu material escolar desorganizado e tendem a não completar exercícios passados na escola.
Além disso, essas crianças provocam conflitos em casa, pois estão sempre adiando o início de atividades ligadas à escola, deixando-as para a última hora. "Apresentam atividade motora excessiva e comportamentos típicos como ir de um lugar para o outro, pular, subir, correr e gritar", afirma Hellen Assef, psicóloga e especialista em avaliação neuropsicológica.
Conseqüência: muitos jovens iniciam sua vida escolar por escolas de boa qualidade. Porém, as múltiplas dificuldades apresenta-das por crianças e adolescentes (envolven-do reprovações, quase-reprovações e problemas sérios de comportamento) fazem com que tenham de sair de suas escolas iniciais (por vontade própria ou constrangi-mento) e acabam se “encontrando” em escolas de qualidade inferior, que “aceitam” alunos com essas dificuldades. "Esse movimento espiral para baixo faz com que algumas escolas concentrem uma proporção mais elevada de crianças e adolescentes com THDA, com conseqüências negativas para o desenvolvimento e inserção social", comenta André Palmini, neurologista e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
ADULTOS: ESQUECIMENTO E DEPRESSÃO
Já nos adultos, o diagnóstico é mais complicado e o transtorno acaba dando lugar a outros problemas, como depressão, ansiedade e desorganização. "As pessoas acham que sou burra por conta desse distúrbio. Já fui até trabalhar com uma sandália diferente em cada pé", conta Sabrina Sato, ex-participante do "Big Brother Brasil" e que fez sucesso no programa "Pânico na TV". Os especialistas contam que os adultos não desenvolvem o TDAH, mas sim carregam o distúrbio desde pequenos. "Mais de 50% dos casos em crianças acabam chegando à idade adulta porque não receberam tratamento ainda na infância", diz a psicóloga Cacilda Amorim.
O portador se retrai com facilidade, não consegue manter o foco da atenção, tem dificuldades para lembrar as coisas, além de apresentar excesso de energia. "Tenho um paciente de 26 anos, que desde os 19, já passou por 18 empregos diferentes porque não consegue se firmar em nenhum. Tem um outro que certo dia não estava conseguindo chegar ao meu consultório porque pegou o metrô na direção contrária do que deveria.Quando ele se deu conta do equívoco, desceu e pegou o metrô correto, mas deixou passar a estação em que deveria parar. Então teve que descer novamente e pegar outro metrô", revela Cacilda Amorim.
No TDAH na fase adulta, na qual é mais comum o uso de medicação, o neurologista frisa que é indispensável que a própria pessoa se dê conta do problema e possa discutir abertamente as dificuldades nas relações afetivas e no trabalho. "É uma forma de evitar a frustração sistemática de quem está à sua volta", afirma André Palmini. Organizar uma lista de tarefas diariamente e checá-la também é uma boa dica para ajudar a recuperar a concentração.
TEM CURA?
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade infelizmente não tem cura, mas é possível amenizar os sintomas com tratamento medicamentoso e terapia. A medicação é estimulante e faz com que o córtex afetado volte a funcionar normalmente, diminuindo os sintomas e oferecendo ao paciente maior poder de concentração. Os medicamentos devem ser acompanhados por uma terapia comportamental, para que o paciente consiga desenvolver os comportamentos necessários para superar as dificuldades. "A pessoa vai se ajustando à concentração de acordo com os medicamentos e a terapia comportamental-cognitiva vai trabalhar o autocontrole e ajustar o comportamento do paciente. A duração do tratamento varia de acordo com cada caso", afirma Ellen Assef. Cerca de 85% dos pacientes têm sucesso no tratamento, mas vale lembrar que os sintomas podem voltar futuramente, uma vez que o TDAH não tem cura.
Gisele Jaculli
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